Dr. Flávio Krzyzanowski Júnior
Este é um tema controverso já há muito tempo. Afinal, a homossexualidade é inata ou adquirida? Vários estudos na área de genética demonstraram haver uma possível influência genética na questão da homossexualidade, sendo esta mais forte nos homens do que nas mulheres. Por outro lado, a psicologia traz contribuições da psicanálise sobre este tema, falando sobre a questão do pai ausente e abusivo, bem como traumas causados por outros membros do mesmo gênero levando ao isolamento defensivo.
Quem teria a razão?
Neste presente artigo levantamos a hipótese de que os fatores biológicos envolvidos na tendência homossexual se manifestariam na alta sensibilidade de algumas crianças, uma vez que este traço predisporia os meninos ao distanciamento defensivo bem como a desenvolver feridas de gênero causadas por outros homens. Esta hipótese pretende esclarecer os diversos estudos publicados que evidenciam que as causas da origem da homossexualidade em homens poderiam ser tanto genéticas como ambientais.
A pergunta sobre ser a homossexualidade inata ou adquirida é bastante controversa e há defensores com bons argumentos dos dois lados. Diversos estudos defendem que a atração pelo mesmo sexo possui uma causa biológica principalmente de origem genética e hormonal (Bailey et al., 2013; Goodman, 1997; Alanko et al., 2010 e Schwartz et al., 2010).
Por outro lado, defendendo que a não heterossexualidade é adquirida temos trabalhos como os de Taylor (1999), Crowson e Goulding (2013) e Vandenbosch e Eggermont (2014) que levantam hipóteses como influência da sociedade e da mídia bem como a necessidade da socialização para que a tendência não heterossexual se manifeste.
Homosexualidade e a relação de pai e filho

Ainda nesta linha, em 1986 Elizabeth Moberly publicou um artigo no qual teorizou que a tendência homossexual masculina poderia estar relacionada a dificuldades na relação do pai com o filho, resultando em um déficit de relação com o pai ou com a mãe em meninos e meninas, respectivamente. Este déficit de relacionamento resultaria em uma quebra da ligação entre pai e filho e este, por sua vez, passaria a não ter as suas necessidades emocionais naturais atendidas.
O menino desenvolve uma desidentificação com o genitor masculino e passa a ter um sentimento de ambivalência em relação aos homens em geral. Esta ambivalência, por sua vez, resulta em um distanciamento defensivo, ou seja, o garoto se afastaria do universo masculino a fim de se proteger de ser novamente machucado. Tão logo este distanciamento ocorre inicia-se uma busca reparadora que, na adolescência, transforma-se em atração erótica por outros homens. Este homem procurará, posteriormente, preencher as suas necessidades emocionais de aceitação e amor através de relacionamentos sexuais com outros homens.
Dos diversos modelos que tentam explicar a não heterossexualidade como adquirida escolhemos o de Elizabeth Moberly, pois entendemos que é o que mais se aproxima do que se observa nas narrativas de homens não-heterossexuais: distanciamento dos pais bem como do universo masculino.
Há muito tempo Bieber et al., (1962) já haviam relatado problemas de relacionamentos de pais com seus filhos não heterossexuais. Além disso, cremos que o distanciamento defensivo poderia ser uma das causas do elevado índice de doenças psiquiátricas encontradas em pessoas não heterossexuais.
Bagagem hereditária?
Do ponto de vista biológico, foram publicados estudos de genética realizados com o intuito de encontrar algum fator de herança relacionado à homossexualidade. Bailey e Pillard (1991) estudando gêmeos monozigóticos e dizigóticos encontraram uma associação entre a tendência não heterossexual e irmãos monozigóticos de 52% e uma associação de 22% em irmãos dizigóticos. Langstrom et al., 2010, em estudo realizado na Suécia, encontraram um fator genético de 34 % a 39% em homens e 18% a 19% em mulheres. Já Ganna et al., em 2019, estudando 477 mil pessoas da Europa e Estados Unidos, demonstraram que de 8% a 25% dessas pessoas apresentavam uma tendência homossexual de origem genética.
Outros estudos pesquisaram se hormônios neuronais não estariam envolvidos na manifestação da atração pelo mesmo sexo. Porém, permanecem inconclusivos (Mayer e McHugh, 2016).
Estudos de epigenética, que é a ciência que estuda a influência de fatores ambientais na ativação e desativação de genes bem como sua modulação pelos mesmos fatores, também encontraram resultados interessantes na mudança de comportamento em animais, embora nada conclusivo tenha sido encontrado em humanos (Wang et al., 2019). Jannini et al., 2010, declararam que uma diferença importante entre estes dois grupos é que a grande maioria dos pesquisadores que defendem os fatores biológicos da homossexualidade reconhecem também a importância dos fatores ambientais. Por outro lado, aqueles que se posicionam dizendo que esta característica é desenvolvida após o nascimento costumam negar qualquer influência biológica.
Neste presente artigo criamos uma possível explicação conciliadora através da qual teorizamos que os fatores biológicos que envolvem a atração pelo mesmo sexo se manifestariam não como uma mudança física ou bioquímica detectável, mas, sim, como um traço da personalidade que aumenta a predisposição de um menino a desenvolver a não heterossexualidade: uma maior sensibilidade ou hipersensibilidade. Guerim et al., (2015) relataram em seus estudos que este traço do temperamento humano é mais pronunciado em homens não heterossexuais.
Retornando à hipótese de Moberly (1986), que criou o termo distanciamento defensivo, acreditamos que não somente a ausência de amor paterno pode causar este distanciamento do universo masculino, mas também feridas causadas por outros homens, como por exemplo abuso sexual e bullying, as quais denominamos feridas de gênero, podem causar traumas em uma criança hipersensível. Estas feridas são mais acentuadas quando são direcionadas à sexualidade da criança. Logo, feridas causadas por homens (feridas de gênero) relacionadas à identificação sexual da criança (como um abuso sexual) seriam aquelas que possuem a capacidade de provocar, além de traumas profundos, o distanciamento defensivo.
Tendências psíquicas

Diversos estudos relatam que homossexuais, tanto masculinos quanto femininos, possuem uma maior tendência ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas como ansiedade generalizada, depressão e ideação suicida (Chakraborty et al., 2011; Fredriksen-Goldsen et al., 2012., Mayer, 2016).
Os autores destes trabalhos argumentam que os principais fatores que estariam relacionados com a maior incidência destas doenças nesta população específica poderiam ser a inconformidade com a orientação sexual além do preconceito sofrido pela sociedade. Não negamos estes fatores. Porém, as mesmas doenças psiquiátricas ocorrem em adolescentes e adultos que crescem em países desenvolvidos e liberais em relação à sexualidade De Graaf et al., 2006; Hatzenbuehler, 2011; Björkenstam et al., 2016).
Apresentamos a hipótese de que tanto as feridas de gênero que a criança hipersensível sofre, como o distanciamento defensivo que a isola do universo masculino somam-se, ou podem até sobrepujar os fatores anteriormente citados no que tange ao desenvolvimento das doenças psiquiátricas. Desta forma adotamos a hipótese de Elizabeth Moberly (distanciamento defensivo) com os acréscimos colocados por nós (ferida de gênero) em nosso modelo por entendermos que estes fenômenos explicam bem o que observamos nos trabalhos que abordam esta temática.
A hipersensibilidade poderia se traduzir no que Kagan, em 2018, denominou como crianças com temperamento mais reativo. Kagan propõe que as crianças, em resposta a diferentes estímulos sensoriais, poderiam ser divididas em dois tipos de temperamentos: as de temperamento mais reativo e as de temperamento menos reativo. Estas características estariam relacionadas aos núcleos da amídala, os quais fazem parte do sistema límbico.
As crianças mais reativas possuem como características principais uma maior resposta a eventos inesperados, como choro e movimentos dos membros, ser menos sociáveis com companheiros desconhecidos, além de apresentar maiores sintomas de ansiedade social e depressão.
Um outro fator biológico que poderia influenciar o modo como meninos reagem a uma situação de bullying e abuso seria a agressividade. Aluja et al., em 2015, demonstraram que o gene do receptor andrógino humano (AR) pode apresentar diferentes extensões polimórficas do códon CAG, sendo que quando este códon se apresenta em sua menor versão o receptor AR é mais sensível à testosterona livre.
Estes autores encontraram uma relação positiva entre códons CAG mais curtos e um maior índice de comportamento agressivo em homens. Outros estudos encontraram resultados semelhantes, além de evidenciarem que estes homens também são mais extrovertidos e apresentam uma personalidade mais desinibida (Jonsson et al., 2001; Turakulov et al., 2004).
Meninos mais agressivos e com uma personalidade mais desinibida poderiam enfrentar situações de abuso e estresse de uma forma menos traumática, uma vez que reagem com mais veemência contra o agressor, não permitindo serem feridos de maneira contínua. Portanto, a gênese da homossexualidade seria ocasionada pela interação de dois fatores principais: fatores biológicos, que contribuiriam para um temperamento mais ou menos reativo herdado pelo menino (Kagan, 2018) bem como uma personalidade mais ou menos agressiva (Aluja et al., 2015), e a ferida de gênero, que se caracteriza por ser um trauma causado principalmente por figuras masculinas significativas, como pai e amigos. Esta ferida levaria o menino ao isolamento defensivo.
A figura 01 apresenta um esquema explicando como se daria esta interação:

A escolha da sensibilidade como candidata a um possível fator biológico que contribuiria para o desenvolvimento da homossexualidade ocorreu por três motivos principais:
A-Este traço do temperamento humano é mais pronunciado em homens não heterossexuais (Guerim et a., 2015);
B- Poderia explicar, atuando conjuntamente com a ferida de gênero e o distanciamento defensivo, a gênese do desajuste emocional que encontramos devido aos traumas sofridos pela criança; C- Pode sofrer influência direta de fatores biológicos como neurotransmissores (Antonio et al., 2017)
Como consequência, a tendência homossexual seria o resultado da interação entre duas variáveis: a hipersensibilidade inata do menino e influenciada por fatores biológicos, bem como as feridas de gênero às quais este foi submetido. Cada uma destas variáveis pode possuir diferentes intensidades bem como interações diversas em cada indivíduo. Estas diferentes dinâmicas explicariam as muitas variações que existem na sexualidade das pessoas não heterossexuais até chegar, nos casos de alta sensibilidade e profundas feridas de gênero, nos casos de pessoas que negam seu próprio corpo e se submetem a tratamento hormonal e cirurgias para mudança de sexo.
Fatores biológicos
Várias questões precisam ser esclarecidas para que o modelo apresentado seja consistente. Uma delas seria como os diferentes fatores biológicos conhecidos (genética, neuro hormônios, epigenética etc.) poderiam influenciar na sensibilidade das crianças.
Kagan (2018) comenta, em seus estudos de temperamento, que as crianças mais reativas apresentam uma maior atividade na região das amídalas no sistema límbico. Levantamos a hipótese de que esta poderia ser a ligação entre os fatores biológicos e os diferentes níveis de sensibilidade que as crianças apresentam.
Outro ponto que necessita de futuros esclarecimentos é o que explicaria o caso de pessoas não heterossexuais que não apresentam influência genética. Apresentamos a hipótese de que poderiam ter uma menor sensibilidade, porém teriam sido expostas a uma ferida de gênero mais profunda, como um abuso sexual, bastante comum na história de pessoas com atração pelo mesmo sexo (Mayer et al., 2016).
Concluímos declarando que as duas visões mais correntes e mais comuns que explicam o fenômeno da homossexualidade em humanos, a biológica e a ambiental, devem começar a buscar pontos de convergência entre si a fim de compreender algo tão complexo como a sexualidade humana. Acreditamos e almejamos que nosso trabalho possa contribuir nesta direção.
Dr. Flávio Krzyzanowski Júnior é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo, possui mestrado em Microbiologia pela Universidade de São Paulo e Doutorado em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

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